Chuva-lágrima

E agora o céu está claro. Claro das nuvens das noites. Me faz pensar que o azul-preto das noites sejam farsas, tendas que Deus estende pra realçar as estrelas. O céu de verdade é dessa cor, a cor que não sei dizer qual é. Mas cor é cor, não é feita pra virar palavra. Enfim, nesse autêntico céu da noite não hesitam em cair as gotas d’água. Talvez elas devessem cair sempre, mas as nuvens azuis que escondem o fundo branco acinzentado dos dias ousam em retê-las. Acho que pegam essa água retida e formam os oceanos, que por isso são tão grandes e profundos. 

Mas a água das chuvas, essa eu não sei de onde vem. Diriam os refugiados na ciência que tudo é um ciclo, evaporação, transpiração, evapotranspiração e mais outras coisas em que não creio. E que diferença fará se eu acreditar que elas vêm do infinito? Que Alguém as cria especialmente pra nós e depois as orquestra num lençol eterno para que nos molhe e abençoe? Algumas molham, algumas fazem cócegas, algumas embaçam a lente do óculos. Mas pra quê enxergar as gotinhas transparentes? Se fossem para ser vistas, não faria sentido senti-las de forma tão singular. Bastava ver traços opacos em queda livre, sem graça alguma. E aquela sensação única de sentir uma gota no braço, mas não ter certeza... Suspense, até que suspenda-se em risos a dúvida da garoa, quando a sinfonia de águas começa a musicar. 

É algo tão especial que até a terra resolve se perfumar quando se molha com a chuva. Se perfuma e todo mundo sente, sente e adora. Adoro o barulho das gotas apavoradas com a ideia de terem deixado o paraíso e serem largadas até deitarem no chão. Mas ao mesmo tempo, talvez seja a maior das honras para uma gota de chuva o rapel pelo mundo da gente. Pena que muitos de nós teimemos em vaiar o que merecia aplausos. Ousamos em erguer um guarda-chuva, é como antecipar o fim das lágrimas do céu. 

Lágrimas, eis a chuva que Deus deixa pra gente criar. Um presente e tanto, eu diria. Não fomos feitos pra chorar em palavras, e por isso as lágrimas. E como as do céu, essas também vêm do infinito, do fundo inalcançável e invisível da alma, donde surgem nossos verdadeiros sentimentos. E nosso falso céu azul é o brilho falso dos nossos olhos quando ousamos criar falsos sentimentos. Mas no fundo, o melhor mesmo é deixar a chuva cair. Chuva que ainda que doa, também refresca, alivia. Quem nunca parou de chorar e se viu mais tranquilo, mais sereno? Não é que todos tenhamos lágrimas de fênix, mas a chuva-lágrima é com certeza cicatrizante. 

Pra não me estender, pensa você sozinho sobre as lágrimas de alegria e depois vai dançar na chuva, antes que tudo se finde e o sol seque as felicidades estampadas em seu rosto.

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