Deixo assim ficar subentendido

Saudade das palavras-lâminas, que hoje já estão cegas. Umas belas ainda resistem, outras delas logo perecem. Carecem de vida ou beijos que as ame. Que as ame ouvir: sopro ou grito. Ou sussurro de frases decoladas no ar. Tem hora que dá pra guardá-las numa caixinha e dar-te em tuas mãos. Tem hora que você não estende as mãos pra guardar a caixinha. Mas, enfim, as palavras, elas fogem, cansam do silêncio e ousam falar. Dizem o que não sabem dizer, furtam sentimentos, mordem quem sente saudade, choram quem se finge feliz e amam quem desiste de amar.

Sílaba em sílaba, o tudo junto junta as partes do que há aqui dentro, que a gente só sente e não sabe o que diz. Meio que os resmungos da angústia que a gente não acha em canto nenhum. É formigamento na alma. Tá lá, incomoda muito e não dá pra alcançar. Só o passar do tempo faz passar. Vira e mexe a gente tem isso. Não dá pra gritar, porque as vozes que doem também são surdas. Irônica e absurdamente surdas. A gente aprende a esconder por dentro, a largar os projetos de palavras nas estantes quebradas onde já se equilibram as sensações. Aí se pesa para um lado, sente-se mais, e a boca derrama versos do que às vezes só é poesia pra gente. E quando se sente menos, ou demais a ponto de doer, preferem-se as palavras magras, estreitas, breves e vazias. O silêncio montado que a gente forja. Mas que é, no fundo, no fundo, só o nosso jeito de falar mais e mais aos ouvidos que nos fingem não ouvir.

Você. Coração, coração, coração. É longe demais daqui onde eu penso e te preciso. É uma superlotação de tanta coisa! Coisa que a gente vive e anota pra não esquecer detalhes de cada sensação. São como cheiros e sons e vultos, um pouco mais implícitos, talvez. Há olhares por acaso, esbarrados sem querer, sorrisos seus de graça, gentilezas espontâneas – que dá pra te ver alegre do outro lado. Do lado longe onde se instalou seu pedaço de mim. Agora, trancado sob suas letras, vou te trancando também. Travando, atravancando, atravessando, entrecortando, entrelaçando, agradecendo. Qualquer coisa, ainda está guardada aqui.

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