Tons pastel.

Fechou o caderno e pressionou-o contra o peito como se quisesse fazer penetrar o que lá estava escrito. De fato, talvez quisesse mesmo. E enquanto alimentava essa vontade, tinha a impressão de poder ouvir as vozes das eternas melhores amigas de que hoje não tem mais notícias. Parecia ser eterno, mas, como todos sempre alertaram com pesar, não foi.

Agora, todo aquele presente tão feito a tons pastel e babado mora na saudade e no caderno, esse que segura tão forte contra o peito como se pudesse absorver tudo o que ali registrou.
Histórias com cores bonitas, mesmo que escritas com mãos sujas de quem acabou de construir castelos. Problemas tão frágeis, que deixavam a foto com cara feia, matemática que era tão adorada quando ainda recém-descoberta. A mudança de letra a cada grupo de páginas, e o desaparecer dos resquícios de castelo, tornando as páginas mais limpas com o passar dos anos. E mais sem cores também, preenchidas por essa palidez de que o tempo nos mancha.

Cada página, um reino, naquele tempo em que podia ser astronauta, escritora, bailarina ou qualquer outra profissão que lhe causasse fascínio, a cada intervalo da escola; quando a academia não lhe engessava, e ultrapassar mesmo os limites do desenho com o lápis era bonito.  Nas manchas de areia, revê também os sabores, os cheiros e as cenas que hoje parecem ser exibidas em sépia, deixando tudo mais bonito e cheio de saudade.

Os heróis que se foram, as profissões que não pode escolher, os amigos que podia jurar: eram pra sempre, eram irmãos. Ficou tudo pra trás. E não há remédio que traz de volta, que cure o que o tempo matou.
Sempre revisita o caderno, de onde faz das lembranças um lugar seguro, imune ao que os anos ameaçam esquecer, afinal, apagar a origem faz a história rumar sem rumo. Quando se perde de si, volta às páginas sujas de quem realmente é pra que possa prosseguir em coerência com a astronauta, a bailarina e toda a multiplicidade de sonhos unificados no envelhecer.

Unificaram-se os sonhos e também todos os múltiplos que podia ser. Crescer faz isso com a gente, dizendo que somos sempre os mesmos, únicos, moldados e permanentes. É mentira. Precisamos ser diferentes a cada intervalo de tempo, ser sempre novos de acordo com o filme que passa aqui dentro: múltiplos. Engraçado é ver dizerem que crescer faz aprender. Desaprendemo-nos a cada ano novo, unificamos tudo o que precisava ser diferente, só pra manter o mesmo eu embalado. E dessa embalagem fazemos conteúdo vazio, e seguimos imersos em superfície sem alimentar a liberdade de mãos sujas.  

É com o caderno que colore seus dias cinza, e quando se sente vazia preenche o peito de tons pastel da infância e de tudo o que lhe lembra a enxergar com o coração e a parar de calcular feito gente grande. Uma capa, 100 folhas, 200 páginas, milhares de caracteres, parágrafos, vírgulas, castelos, profissões e sonhos. Nada disso importa quando quantificado, mas tudo isso qualifica quem foi e o que será depois.

Um ar bonito definitivo: é o que sente ao inspirar o cheiro das folhas antigas do caderno. Um ar bonito definitivo. É o cheiro das folhas e dos dias infantis, que perfumam a rotina cinza em letras e memória, quando se encontram o caderno e o peito unidos por mãos agora sem areia e cheias de saudade. 

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