Destilado


Fazia tempo que não arrecadava alegrias.

Adotei os dias de resmungo - amando.
Em rotina de máquina de costura, caminhei imperturbável, fugido.
Ora, piques de insanidade: ânsia de lonjura.
Noutras, desmaios de fraqueza: passos largados em soluços.

O coração mandava ir.
O pé direito de qualquer sorte minha era rastejante.
A ferida no calcanhar latejava a cada grão de poeira que o asfalto deixava de absorver.
Tudo, tudo era fé. Era crer no azul, azul de céu e azul de mar.
Fé. Mais por oportunismo que ideologia.


A alma já tinha fechado os olhos e tudo se alternava entre algo como flutuar e afogar.
Decidi afogar, decidi flutuar.
Esbarrei nos arrependimentos e nas iludidas bolhas de sabão.
Flagrei os ponteiros do relógio mais rápidos que o permitido.
Notei estrelas impacientes. Flores e borboletas com medo de nascer.

Mas no desinteresse por rumos, na preguiça das decisões, eu me deixava obedecer.
Respeitava o destino, imponderável, ácido, sim.
Satisfazia-me com a remuneração em pores-do-sol.
Alienado de sempre, eu sorria aos pássaros cantores, aos cachorros mansos e às crianças todas.
E na efemeridade entendi as alegrias.

Me fiz intacto largado de costas sobre o mar.
Achei o azul no alto, e me apaixonei pelo céu.
Era a única certeza de sorriso guardada.
Compaixão perene do infinito.
Lençol eterno de amor

Vencido pela felicidade, agora eu era puro sorrisos e gritos e lágrimas.
Nada era profundo; não tinha oceano em que eu não desse pé.
Era eu nadando no céu liquefeito, e em paz.
Fui gratidão às demais misericórdias.
Um confidente todo à minha vida, graças a Deus.

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