Cor-de-rosas

Só querer uma manhã de flores e uma tarde de folhas e uma noite de frios. Dormir outonos e invernos completos, até que de tão quieto eu desapareça. Nos frios e nas folhas. Quero abrir mão das palavras, que elas já se recusam. Perdidas em agonia, mal sabem o que querem dizer. Talvez nada queiram, que não existir. Que não costurar conversas inteiras de suas e minhas e réplicas e aqueles cafunés em sílaba-doce, em frase gostinho de beijo-e-abraço, certeza-de-mãe, banquete-de-vó. Ando sentindo falta de vó. Ando sentindo as faltas. Ando paquerando a saudade, escolhendo-a todo dia o meu amor. Aí de tanto aquietar-se, dói. Arranha a garganta daquele jeito que não adianta tossir. E a gente tosse mesmo assim. A gente torce mesmo assim. E impaciência vem, algema as pontas do nosso sorriso e a gente desaprende a se alegrar. Alega que nada vai bem, e deita. Se larga no colchão, se mente que ali está ótimo. Espera anestesia de sono e desliga. Esperando a manhã de flores vir acordar a gente com alfazema e um mundo cor-de-rosas. Ando esperando mesmo um mundo cor-de-rosas, ou só um dia, que seja. Sonhando em resumir a vida em dois últimos pedacinhos daquela barra de felicidade meio amarga que eu já nem lembrava. Em três cubos de gelo nadando em Coca-Cola. Em coberta camisa-de-força quando o despertador já me roubou a noite e eu não consigo escapar da cama. Em ventinho frio - mas não tão frio assim. Só o que basta pra induzir um arrepio e precisar de um abraço.

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