AmarGo

Fazer-me frio. Desafio-me. Ser inerte a sorrisos e bem-dizeres, agradeceres, pedires e fazeres. Guardar em aço o coração que andou aberto, desfilando sua necessidade anti-solidão. Fez-se doente, fraco, hoje está cansado. De se apegar. De se segurar em tudo e em todos, agarrar com todas as forças e abdicar de autonomia. Fui perdendo o eu racional, espremendo, torcendo, extraindo o que pior me fazia – eu achava. Restaram-me emoções, palpitando em minúcias de possíveis felicidades maiores. Eu via tudo ampliado, decorado, provável alegria. E me esquecia da decepção que me assombra. Os dias marcados pelo quase. As palavras erradas nos momentos inoportunos. Fiz-me uma taça de erros, que degusto aos poucos, a cada vez que o amanhã me seduz de maravilhas... e eu acredito. Piamente. Sem nem olhar para trás. Para trás do sentido que quero sentir no que ouço. A vida sempre par, sem preparar-me, sempre ímpar, insuspeitável. Mas par. Em dois lados: O óbvio, que dói, e o que eu vejo, que me acalma. Mas é tudo simples de entender. Naquele ímpeto maluco, chutei a razão pra longe. Tive até sucesso, mas larguei um retalho desse papel maligno no bolso. Suficiente para gritar quando a outra – a tal emoção - decide. Para esquecer-me de cautelas quando a outra insiste. Para derramar-me tagarelas “eu-te-avisei” quando tudo vai pro ralo. Ralo de sempre, de sempre tender a você, a seu sorriso odioso, à sua frase ínfima de que faço sempre citação esplêndida, vocativo ambíguo, dedicatória subliminar. Refúgio do seu silêncio, que tento repetir em mim pensando que me virá. Mas acho que sumi de você. Recolhi meus sorrisos, deixando-te. Acho que fiz isso e ainda te culpo, te deixo. Me ensina a achar meus sorrisos, assim como os seus? Sinto falta. Porque agora tudo se esvazia. Palavras, gentis ou não. Sorriso, feliz eu não. Respiro fundo, buscando no ar pedaços, deslizes, brechas, possibilidades, ou só o cheiro seu. E o máximo que me ocorre é faltar o que respirar. Estico o braço, mas continuo caído. Sem mais forças. Sem mais nada. Perdi a noção do que me está reservado, e te coloquei na prateleira errada. Perdi as escalas e as escadas e tento apanhar o que não está ao meu alcance. Em vez de contornar tudo isso e voltar ao pacato que sou. Ao medíocre que pensa e faz. Mudo, não mudado. Imutável sorriso forçado que evita destaque ou pergunta. Imutável rosto sem vida que chora sem contar a ninguém, e assim se alimenta de sentimento, pra não achar que não o tem. Assim segue vivendo, o que lhe destina o destino desenhado, corrido e contemporâneo. Amorfo, apático. Talvez melhor fazer das palavras tossidas e torcidas e retorcidas e lacrimejadas meu álibi, pra não me condenarem, um dia, por ter preferido não te viver.

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