Caleidoscópio

Era só chuva, era só um terço, só num quarto, era um sobre muitos avos, serragem de amor descendo do que parecia ser céu. O coraçãozinho meio que agoniava. Trincaram-lhe os olhos e lhe trancaram as ilhas. Era ele ali, preso num monóculo turvo caleidoscópio. Cercado de água. Aflito, ia de rio a riso. De mar amar. Perdia-se no movimento. Amava aquela plantinha emergindo do vaso. Queria cuidar dela e depois vê-la florir. E tinha dia que ela era feijãozinho no algodão - prenunciava que não ia longe. Suas raízes cada vez mais se iam pelo errado. Mas tinha o lado que crescia verde, e ele bastava para encantar. Já se imaginava a rosa, a margarida, a tulipa ou o delírio dalí subindo. Fazendo-se pétala ou pérola. Tornando-se ou não. Ela ainda acarinhável para as suas mãos. Devolver um sorriso a ela era pra ele um crime. Infringia a lógica, beirava o absurdo, beijava o absurdo. Deixava se esquecer de fazer sentido, mas era questão de força. Cavar a trincheira, guardar-se lá, deixar o tempo sumir as folhinhas verdes e só escoar o licor da indiferença. Restaria um quadro com o sorriso dela, um carinho da gentileza inconstante dela. Os dois escondidos num camafeu viúvo. Que ele apertava contra o peito pra ver se desmanchava. Ouviu um som e achou que o tinha quebrado. Era só o caleidoscópio cupido mostrando pra ele outra ela, e lá ia ele com o regador de novo, dar murro em ponta de faca.

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